DE LAURA BRIDGMAM AOS DIAS DE HOJE (*)
“É maravilhoso ter ouvidos e olhos na alma.
Isto completa a alegria de viver.”
Helen Keller
Laura Bridgmam, nascida em 1829, é conhecida como a primeira pessoa surdocega educada com sucesso. Surdocega desde os 2 anos, entrou no Instituto Perkins, em 1837, onde foi educada pelo Dr. Samuel Gridley Howe.
Desde então, a resumida literatura sobre o tema: desenvolvimento da pessoa surdocega, vem demonstrando que quando esses indivíduos têm a oportunidade de receber a devida atenção em algum Centro ou Serviço onde são oferecidos programas de atendimento especializado, é possível encontrar, nessa comunidade pessoas realizadas e participantes, em diferentes países.
Os exemplos a seguir não deixam qualquer dúvida quanto à predisposição que todos os indivíduos trazem consigo de superar suas limitações sempre que lhes são oferecidas oportunidades de novas experiências.
BERTHA GALERON DE CALONNE (1859/1934)
Nascida em Paris, quando tinha 6 anos de idade perdeu a visão, provavelmente, devido ao descolamento de retina, em ambos os olhos, provocado por uma pancada na cabeça ao rolar a escada de sua residência. Aos 30 anos perdeu a audição.
Terminou o curso básico e aprendeu o Sistema Braille com as freiras do Convento de São Paulo, na sua cidade natal. Mais tarde, quando seu pai foi nomeado professor de literatura no Liceu de Rennes (região da Bretanha) Bertha iniciou seus estudos de Filosofia. Voltando a Paris, no entanto, não quis continuar o Curso pois, como seu pai, sentia uma forte atração pela Literatura, mais precisamente pela poesia.
Em 1887, envia parte dos originais de sua antologia poética “Dans ma nuit” a Stephan Mallarme para que os avaliasse. Mallarme, numa longa carta, tece elogios à obra e acrescenta: “Sua poesia é pura e eterna.”
Em 1889, sem que os médicos soubessem explicar a causa, acordou, uma manhã, completamente surda de um ouvido e quase surda do outro. Um ano depois estava totalmente surda. Ainda assim, continuou escrevendo com a mesma inspiração, serenidade e ternura as poesias que enriqueceram as sucessivas edições de sua antologia poética.
RAGNHILD KAATA (1873/1947)
Nasceu em Vester Slidre - Noruega,
em 14 de maio de 1873. Aos 4 anos de idade, foi acometida por uma grave enfermidade, que os médicos não puderam diagnosticar, em conseqüência da qual perdeu a visão, a audição, o olfato e o paladar.
Aos 14 anos foi admitida, como aluna interna, no Instituto para Surdos de Hamar - Noruega – cujo Diretor, Elías Hofgard, assumiu a tarefa de educá-la. Após alguns meses de perseverantes e infatigáveis esforços, Ragnhild começou a pronunciar algumas palavras.
Em vista desse sucesso foi iniciada no aprendizado do Sistema Braille e assim, chegou a ter amplos conhecimentos de Geografia, Gramática e Aritmética.
Entretanto, desenvolver atividades de trabalhos manuais era o que mais gostava. Sua extrema habilidade em tecer qualquer tipo de trama, fazer meias e os mais variados artigos de malha, lhe permitiu ganhar seu próprio sustento quando saiu do Instituto de Hamar, aos 22 anos.
HELEN KELLER (1880/1968)
É, sem dúvida, a mais conhecida e um dos mais extraordinários exemplos de coragem e força de vontade. Com a inestimável ajuda de sua incansável professora Anne Sullivan, mostrou ao mundo as imensas possibilidades do ser humano.
Helen Keller nasceu no Alabama – Estados Unidos. Perdeu a visão e a audição quando tinha 1 ano e meio de idade, em conseqüência, provavelmente, da Escarlatina. Anne Sullivan Macy, indicada por Alexandre Grahan Bell - amigo da família - para educar a pequena Helen, iniciou seu trabalho tentando estabelecer a comunicação com a criança ao relacionar os objetos às palavras através da soletração do alfabeto manual. Helen, que nessa ocasião não havia completado ainda os 7 anos, aprendeu, assim, a soletrar, com o uso das mãos, várias palavras, embora nenhum indício levasse a crer que a criança tivesse consciência do significado das mesmas. Foi quando Anne Sullivan colocou as mãos de Helen Keller sob a água que era bombeada do poço e soletrou a palavra “água”, com o alfabeto manual, que os sinais atingiram sua mente com um significado claro. Ao fim daquele dia, Helen já estabelecera a relação de 3 dezenas de palavras com os objetos do mundo ao seu redor. Logo, ela aprendeu os alfabetos braille e manual e, aos 10 anos, iniciou a aprendizagem da fala.
A partir de então, com a ajuda de Anne Sullivan, não mais parou sua escalada em busca de novos conhecimentos. Assim, aos 24 anos recebeu seu diploma de Filosofia na Universidade Radcliffe e, continuando sua trajetória, fez jus, ao longo de sua vida, a inúmeros títulos, homenagens e diplomas honorários em reconhecimento por seu trabalho em prol do bem estar das pessoas cegas e surdocegas e, sobretudo, pelo exemplo vivo das imensas e ricas possibilidades do potencial humano.
Entre 1946 e 1957, Helen Keller visitou 35 países, inclusive o Brasil, onde esteve em diversas entidades públicas e particulares. Realizou palestras, participou de conferencias e mesas-redondas, foi entrevistada e recebeu homenagens. Por essa ocasião, em maio de 1953, quando de sua visita ao Rio de Janeiro, esteve no Instituto Benjamin Constant, onde recebeu carinhosas homenagens de alunos e funcionários.
No dia de sua morte, o Senador Lister Hill, do Alabama, assim se expressou:
“Seu espírito perdurará enquanto o homem puder ler e histórias puderem ser contadas sobre a mulher que mostrou ao mundo que não existem limitações para a coragem e a fé”.
EUGENIO MALOSSI (1885/1930)
Nascido em Avellino - Itália, perdeu a visão e a audição quando, aos 2 anos de idade, contraiu Meningite.
Em 1895, teve início sua educação graças à dedicação do professor Francisco Artusio, do então recém fundado “Instituto Domenico Masturcelli”.
Ainda adolescente produzia, em seu bem equipado ateliê, os mais variados trabalhos de artesanato e, deixando aflorar sua vocação pela mecânica, consertava qualquer máquina que apresentasse algum problema.
Porém sua sede de saber não se limitava ao artesanato e à mecânica.
Assim, com a ajuda de uma amiga, chegou a aprender vários idiomas, o que lhe possibilitou ler, no Sistema Braille, obras de mecânica de diversos autores estrangeiros.
Aos 40 anos, foi nomeado professor de mecânica do “Instituto Paolo Colosimo”, em Nápolis, onde, com sua personalidade enérgica e firme, desenvolveu um trabalho preciso e profícuo.
Em uma de suas viagens visitando uma fábrica, em Berlim, exclamou observando a avançada tecnologia da maquinária: “Cada dia estou mais agradecido a Deus por me ter dado a vida.”
OLGA IVANOVNA SKOROJODOVA (1914/1987)
Nasceu numa aldeia ao Sul da Ucrânia. Aos 5 anos de idade teve Meningite e, como seqüela da doença, ficou surda, cega e paralítica. Com grande esforço conseguiu voltar a andar com a ajuda de uma muleta que às vezes usava como bengala.
Dotada de férrea força de vontade e ardente desejo de aprender, aos 11 anos de idade, começou a ser educada professor Ivan Sokolyanski, chegando mais tarde a doutorar-se em Psicologia e Ciências Pedagógicas.
Olga gostava de corresponder-se com pessoas cultas, tendo conservado algumas cartas que lhe escreveram várias personalidades. Dentre estas destaca-se uma datada de 3/1/1933, e assinada pelo conhecido escritor Gorki:
“Querida Olga, sua vida é simplesmente um milagre; um desses maravilhosos vetores de luz tanto do nosso trabalho como de todo espírito elevado.”
Ao longo dos seus 73 anos de vida, publicou várias obras, muitas delas traduzidas para diversas línguas. Num de seus livros “Como percebo e imagino o mundo que me cerca”, descreve suas impressões da natureza e da vida cotidiana:
“Sinto que uma vida intensa se desenvolve ao meu redor e anseio participar dela como todos os seres humanos.”
CESAR TORRES CORONEL (1917/1985)
Nascido em Madrid, tinha 22 meses de vida quando perdeu a visão e a audição em conseqüência da Varíola.
Ao completar 7 anos teve início sua educação no “Colegio Nacional de Sordomudos y Ciegos”, na mesma Madrid, sob a orientação da excepcional pedagoga Rafaela Rodrigues Placer, que durante 13 anos se dedicou inteiramente à educação do rapaz. Assim, Cesar obteve o título de Bacharel no “Instituto Cardenal Cisneros”, graças a uma férrea força de vontade e ao incentivo e orientação de sua mestra.
Fiel cumpridor de suas obrigações, respeitado e querido tanto pelos seus superiores como por seus colegas de trabalho, viveu dignamente até o fim de sua vida unicamente de seu salário.
DR. ROBERT J. SMITHDAS (1925)
Nasceu na Pensylvania - Estados Unidos no dia 7 de junho. Ficou cego e mais tarde totalmente surdo, em conseqüência da Meningite, quando tinha 4 anos e meio de idade.
Aos 25 anos recebeu seu diploma de Bacharel em Artes da Universidade de St. John. Foi agraciado, ainda, com os graus honorários: Dr. em Letras do Gaullaudet College e Dr. em Humanidades pela Western Michigan University.
Trabalhou no Setor de Relações Comunitárias do Lar Industrial para Cegos e, em 1977, foi Diretor de Educação Comunitária do Centro Nacional Helen Keller, demonstrando com sua atuação profissional que a surdocegueira não é impedimento para metas educacionais.
“É importante que o surdocego conheça tanto suas limitações como seu potencial; mas é de igual importância que as pessoas com quem ele convive também as conheçam”.
Robert Smithdas
LEONARD C. DOWDY (1927)
Nasceu no Missouri - Estados Unidos. Perdeu a visão e a audição quando tinha 1 ano e meio de idade.
Estudou na “Perkins School” onde aprendeu Matemática, Geografia, História e toda espécie de trabalhos manuais em madeira e metal.
Trabalhou na Companhia Peterson de Manufatura onde desenvolveu atividades nas linhas de montagem das bombas para pneus e de faróis dentre outras “muitas e variadas coisas.”
Casado com Beth K. Dowdy, também surdocega, construiu no terreno de sua casa, com a ajuda de um amigo, a sua própria oficina de carpintaria onde costuma pôr em prática o seu hobby: trabalhar com madeira.
Quando, em 1977, participou, em São Paulo, do “I Seminário Brasileiro de Educação de Deficiente Audiovisual em sua palestra:
“Depois de morar em um apartamento por 5 anos, após o nosso casamento, compramos a nossa casa. Sendo donos de uma casa nós podemos ter experiências muito duras, mas nós gostamos mais do que viver num apartamento, onde nada acontece de especial.”
VALISE AMADESCU (1944)
Nasceu na Romania, no dia 4 de setembro. Perdeu a visão e a audição em conseqüência da Meningite, quando tinha 2 anos e meio de idade.
Aos 11 anos iniciou sua educação na Escola Especial para Cegos, em Cluj, Romania, onde com sua enérgica professora Miss. Florica Sandu, aprendeu a falar e adquiriu os conhecimentos básicos.
Mais tarde, com a ajuda de outros professores, alargou seus conhecimentos estudando História, Literatura, Geografia, Matemática e Física.
Formou-se em Psicopedagogia na Universidade de Cluj. Logo a seguir empregou-se como professor na Escola Especial para Cegos, na mesma cidade, onde exerce a função com a ajuda de sua professora Georgeta Damian.
“Eu estou convencido que o caminho que eu escolhi, embora bastante difícil, pode ser trilhado com sucesso por qualquer pessoa deficiente.”
Valise Amadescu
Poderíamos citar muitos outros exemplos de pessoas surdocegas que lograram o desenvolvimento máximo de suas potencialidades. No entanto, estes poucos relatos são a prova incontestável da validade dos programas de Educação Especial nessa área onde oportunidades, atenção e respeito são dispensados a essas pessoas da mesma forma que, a todo ser social, nos diferentes programas educacionais.
DECÁLOGO DO SURDOCEGO
Declaração aprovada na IV Conferencia Mundial “Helen Keller”
realizada em Estocolmo, em setembro de 1989.
1- Todo país deve realizar o senso de sua população surdocega;
2- A surdocegueira é uma deficiência única e não a simples soma das duas deficiências surdez e cegueira, assim requer Serviços especializados;
3- É imprescindível a formação de profissionais altamente especializados em todos os países. Quando, em algum país, não for possível formar esses especialistas, deverá ser solicitada a ajuda de outras nações;
4- A comunicação é a maior barreira para o desenvolvimento pessoal e a educação do surdocego, por este motivo o ensino de métodos de comunicação eficazes deverá ser priorizado;
5- Todo país deverá oferecer oportunidades para a educação do surdocego;
6- O surdocego pode ser alguém produtivo assim, devem ser criados programas de integração profissional;
7- Deverá ser dada atenção à formação de intérpretes, profissionais imprescindíveis para a independência do surdocego;
8- Devem ser criados sistemas residenciais alternativos, independentes, para o surdocego, que atendam suas necessidades e aptidões;
9- A sociedade tem obrigação de permitir ao surdocego a participação em atividades de lazer e recreação, em interação com a comunidade;
10- É essencial que a sociedade tome conhecimento das possibilidades e necessidades do surdocego para que possa exigir o apoio governamental e comunitário na criação de Serviços.
“Deficientes ou não deficientes, somos todos seres humanos, vivendo no mesmo planeta e partilhando do mesmo destino. O que a vida exige de nós, senão dar o melhor de nós mesmos, para nós e para os outros?”
Richard Kinney
Richard Kinney é Educador, Conferencista e Poeta surdocego. Detentor de inúmeros títulos e prêmios, é autor da obra didática “Independent Living Without Sight and Hearing”
MARGARIDA A. MONTEIRO - Professora e Coordenadora do Programa de Atendimento ao Surdo-Cego do Instituto Benjamin Constant
(*) Fonte: Site do Instituto Benjamin Constant- Rio de Janeiro: http://www.ibc.gov.br/
(*) Fonte: Site do Instituto Benjamin Constant- Rio de Janeiro: http://www.ibc.gov.br/