Educação Especial- Entrevista
Entrevista concedida durante Encontro de Educação Especial, Brasília, 2006
Paulo Cesar da Silva Gonçalves, psicólogo clínico, formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, especializado em terapia para surdos e cegos.
TEMA: EDUCAÇÃO ESPECIAL e DEFICIÊNCIA AUDITIVA
1- COMO É A REALIDADE DA " PESSOA SURDA" EM SALA DE AULA?
PCSG: Ainda é uma situação bastante confusa. O estado impõe a chamada “inclusão” nas escolas da rede pública, mas é muito claro que as escolas e os profissionais da educação, com algumas exceções, ainda estão pouco preparados para atingir esse objetivo. Ainda existem polêmicas e muitas dificuldades para a implantação desse sistema, e nossa experiência tem demonstrado que a inclusão de pessoas surdas em salas de aula com ouvintes tem obtido resultados pouco significativos e mesmo em turmas especiais os resultados estão aquém das expectativas. O tema merece uma discussão e avaliação mais profunda.
2- O QUE O MOTIVOU A TRABALHAR COMO PSICÓLOGO DE ESPECIAL?
PCSG: Ao me dedicar a um trabalho como terapeuta de crianças portadoras de câncer algumas vezes me deparei com crianças que além do câncer são deficientes auditivas ou perdem a visão como conseqüência do tratamento. O desafio de entender e tratar essas crianças me levaram a aprender Libras(Língua Brasileira de Sinais) e o Braille e, conseqüentemente, ao estudo dessas deficiências.
3- COMO AS CRIANÇAS SE COMPORTAM DIANTE DAS AULAS? E QUAL A REVELAÇÃO MAIOR QUE COSTUMA IDENTIFICAR SEU APRENDIZADO?
PCSG: Os surdos possuem uma estrutura cognitiva própria, em virtude do isolamento e falta de comunicação. Não falam porque não ouvem (por isso não gostam de ser chamados de “mudos”),e têm como primeira língua, com estrutura e regras próprias a língua de sinais. O Português é uma segunda língua e como tal, de difícil aprendizado. Muitas vezes são considerados pelos professores como “alienados”, “dispersivos”, “agressivos”, mas essa percepção quase sempre é equivocada, pois a criança surda tem potencial de desenvolvimento cognitivo e intelectual tanto quanto as ouvintes, desde que sejam oferecidos os recursos e as condições adequadas. Lamentavelmente ainda sofrem preconceitos e restrições.
O aprendizado da língua portuguesa é facilitada pelo apoio de uma equipe interdisciplinar, incluindo fonoaudiólogo, psicólogo e pedagogo. A oralização e a leitura labial favorecem também a aprendizagem e alfabetização.
4- COMO OS PAIS SE COMPORTAM DIANTE DA NECESSIDADE DESTE ACOMPANHAMENTO PARA O MELHOR DESENVOLVIMENTO DOS SEUS FILHOS?
PCSG: Poucos pais têm consciência da necessidade de um acompanhamento especializado para seus filhos, seja em razão das condições sócio-econômicas (a maioria dessas famílias são de baixa renda), ou pelas deficiências do próprio sistema de educação. Nosso entendimento é que a participação da família é indispensável, tanto na escola, quanto no atendimento terapêutico, pois a dinâmica familiar é também responsável pelo falta de adaptação dos surdos à sociedade dos ouvintes. De um modo geral os surdos tornam-se superprotegidos, o que os torna incompetentes para a convivência social.
5- CONSIDERADO UM AGENTE IMPORTANTE COM O PAPEL FUNDAMENTAL PARA O
APRIMORAMENTO DA PESSOA SURDA E SUA INCLUSÃO NA SOCIEDADE, COMO REAGE A TODAS ÀS RESPONSABILIDADES E COBRANÇAS DIRECIONADAS A VOCE?
PCSG: Com naturalidade, por entender que se trata de um desafio ímpar e uma experiência bastante enriquecedora, que nos proporciona, como ser humano e terapeuta, uma oportunidade incomparável de poder contribuir para a revelação do potencial humano e da grandeza que existe em todo indivíduo, mesmo aqueles considerados “deficientes”.
6- QUAL O GRAU DE "DIFICULDADE" ABSORVIDO POR VOCÊ PARA O USO DA LIBRAS E INTERPRETAÇÃO DA MESMA?
PCSG: A Libras é uma língua de difícil manejo para os ouvintes, e no trabalho terapêutico torna-se uma limitação, por possuir uma estrutura econômica e prática, sem aprofundamento dos conceitos e significados abstratos, o que nos leva a recorrer a todos os recursos disponíveis, como grafismo, a escrita, a informática e o uso da imagem, como filmes e audiovisuais.
7- PARA FINALIZAR, QUAL O CONSELHO QUE VOCE DEIXA PARA OS PAIS QUE ESTÃO
ENFRENTANDO ESTE MESMO DESAFIO SEM UMA OPORTUNIDADE COMO ESTA DE TER UM PROFISSIONAL PARA ORIENTÁ-LOS?
PCSG: Que procurem uma instituição especializada, como as Apadas, onde obterão ajuda voluntária, sem custos, e onde seus filhos terão a oportunidade de aprender sua língua natural, a Libras, e conviver com outros surdos, o que é indispensável para seu desenvolvimento e interação social. Mas, antes de tudo, devem aprender a se comunicar com seus filhos surdos, através da Libras, e com a orientação de profissionais competentes. Devem entender que o maior sofrimento de seus filhos é a falta de comunicação e o isolamento social.
8- SABENDO DA NECESSIDADE DE INVESTIR NA FORMAÇÃO DOS EDUCADORES, QUAIS AS COMPETÊNCIAS NECESSARIAS PARA UM BOM PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO?
PCSG: O principal requisito para o profissional da educação especial é a vocação. Precisa gostar do que faz. E gostar de enfrentar desafios, pois a educação especial exige dedicação, talento, persistência e, acima de tudo, amor.
9- ALÉM DA NECESSIDADE DE INVESTIR NOS EDUCADORES, HÁ ALGUMA "FÓRMULA MÁGICA" PARA A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO PAÍS?
PCSG: Não existem “formulas mágicas “ na educação. Existe competência, planejamento e, como foi dito, vocação e persistência.
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Ouça entrevista no dIa do Surdo na Associação dos Surdos de Uberaba, em 2009