Laura Bridgmam, nascida em 1829, é conhecida como a primeira pessoa surdocega educada com sucesso. Surdocega desde os 2 anos, entrou no Instituto Perkins, em 1837, onde foi educada pelo Dr. Samuel Gridley Howe.
Desde então, a resumida literatura sobre o tema: desenvolvimento da pessoa surdocega, vem demonstrando que quando esses indivíduos têm a oportunidade de receber a devida atenção em algum Centro ou Serviço onde são oferecidos programas de atendimento especializado, é possível encontrar, nessa comunidade pessoas realizadas e participantes, em diferentes países.
Os exemplos a seguir não deixam qualquer dúvida quanto à predisposição que todos os indivíduos trazem consigo de superar suas limitações sempre que lhes são oferecidas oportunidades de novas experiências.
BERTHA GALERON DE CALONNE (1859/1934)
Nascida em Paris, quando tinha 6 anos de idade perdeu a visão, provavelmente, devido ao descolamento de retina, em ambos os olhos, provocado por uma pancada na cabeça ao rolar a escada de sua residência. Aos 30 anos perdeu a audição.
Terminou o curso básico e aprendeu o Sistema Braille com as freiras do Convento de São Paulo, na sua cidade natal. Mais tarde, quando seu pai foi nomeado professor de literatura no Liceu de Rennes (região da Bretanha) Bertha iniciou seus estudos de Filosofia. Voltando a Paris, no entanto, não quis continuar o Curso pois, como seu pai, sentia uma forte atração pela Literatura, mais precisamente pela poesia.
Em 1887, envia parte dos originais de sua antologia poética “Dans ma nuit” a Stephan Mallarme para que os avaliasse. Mallarme, numa longa carta, tece elogios à obra e acrescenta: “Sua poesia é pura e eterna.”
Em 1889, sem que os médicos soubessem explicar a causa, acordou, uma manhã, completamente surda de um ouvido e quase surda do outro. Um ano depois estava totalmente surda. Ainda assim, continuou escrevendo com a mesma inspiração, serenidade e ternura as poesias que enriqueceram as sucessivas edições de sua antologia poética.
RAGNHILD KAATA (1873/1947)
Nasceu em Vester Slidre - Noruega,
em 14 de maio de 1873. Aos 4 anos de idade, foi acometida por uma grave enfermidade, que os médicos não puderam diagnosticar, em conseqüência da qual perdeu a visão, a audição, o olfato e o paladar.
Aos 14 anos foi admitida, como aluna interna, no Instituto para Surdos de Hamar - Noruega – cujo Diretor, Elías Hofgard, assumiu a tarefa de educá-la. Após alguns meses de perseverantes e infatigáveis esforços, Ragnhild começou a pronunciar algumas palavras.
Em vista desse sucesso foi iniciada no aprendizado do Sistema Braille e assim, chegou a ter amplos conhecimentos de Geografia, Gramática e Aritmética.
Entretanto, desenvolver atividades de trabalhos manuais era o que mais gostava. Sua extrema habilidade em tecer qualquer tipo de trama, fazer meias e os mais variados artigos de malha, lhe permitiu ganhar seu próprio sustento quando saiu do Instituto de Hamar, aos 22 anos.
HELEN KELLER (1880/1968)
É, sem dúvida, a mais conhecida e um dos mais extraordinários exemplos de coragem e força de vontade. Com a inestimável ajuda de sua incansável professora Anne Sullivan, mostrou ao mundo as imensas possibilidades do ser humano.
Helen Keller nasceu no Alabama – Estados Unidos. Perdeu a visão e aaudição quando tinha 1 ano e meio de idade, em conseqüência, provavelmente, da Escarlatina. Anne Sullivan Macy, indicada por Alexandre Grahan Bell - amigo da família - para educar a pequena Helen, iniciou seu trabalho tentando estabelecer a comunicação com a criança ao relacionar os objetos às palavras através da soletração do alfabeto manual. Helen, que nessa ocasião não havia completado ainda os 7 anos, aprendeu, assim, a soletrar, com o uso das mãos, várias palavras, embora nenhum indício levasse a crer que a criança tivesse consciência do significado das mesmas. Foi quando Anne Sullivan colocou as mãos de Helen Keller sob a água que era bombeada do poço e soletrou a palavra “água”, com o alfabeto manual, que os sinais atingiram sua mente com um significado claro. Ao fim daquele dia, Helen já estabelecera a relação de 3 dezenas de palavras com os objetos do mundo ao seu redor. Logo, ela aprendeu os alfabetos braille e manual e, aos 10 anos, iniciou a aprendizagem da fala.
A partir de então, com a ajuda de Anne Sullivan, não mais parou sua escalada em busca de novos conhecimentos. Assim, aos 24 anos recebeu seu diploma de Filosofia na Universidade Radcliffe e, continuando sua trajetória, fez jus, ao longo de sua vida, a inúmeros títulos, homenagens e diplomas honorários em reconhecimento por seu trabalho em prol do bem estar das pessoas cegas e surdocegas e, sobretudo, pelo exemplo vivo das imensas e ricas possibilidades do potencial humano.
Entre 1946 e 1957, Helen Keller visitou 35 países, inclusive o Brasil, onde esteve em diversas entidades públicas e particulares. Realizou palestras, participou de conferencias e mesas-redondas, foi entrevistada e recebeu homenagens. Por essa ocasião, em maio de 1953, quando de sua visita ao Rio de Janeiro, esteve no Instituto Benjamin Constant, onde recebeu carinhosas homenagens de alunos e funcionários.
No dia de sua morte, o Senador Lister Hill, do Alabama, assim se expressou:
“Seu espírito perdurará enquanto o homem puder ler e histórias puderem ser contadas sobre a mulher que mostrou ao mundo que não existem limitações para a coragem e a fé”.
EUGENIO MALOSSI (1885/1930)
Nascido em Avellino - Itália, perdeu a visão e a audição quando, aos 2 anos de idade, contraiu Meningite.
Em 1895, teve início sua educação graças à dedicação do professor Francisco Artusio, do então recém fundado “Instituto Domenico Masturcelli”.
Ainda adolescente produzia, em seu bem equipado ateliê, os mais variados trabalhos de artesanato e, deixando aflorar sua vocação pela mecânica, consertava qualquer máquina que apresentasse algum problema.
Porém sua sede de saber não se limitava ao artesanato e à mecânica.
Assim, com a ajuda de uma amiga, chegou a aprender vários idiomas, o que lhe possibilitou ler, no Sistema Braille, obras de mecânica de diversos autores estrangeiros.
Aos 40 anos, foi nomeado professor de mecânica do “Instituto Paolo Colosimo”, em Nápolis, onde, com sua personalidade enérgica e firme, desenvolveu um trabalho preciso e profícuo.
Em uma de suas viagens visitando uma fábrica, em Berlim, exclamou observando a avançada tecnologia da maquinária: “Cada dia estou mais agradecido a Deus por me ter dado a vida.”
OLGA IVANOVNA SKOROJODOVA (1914/1987)
Nasceu numa aldeia ao Sul da Ucrânia. Aos 5 anos de idade teve Meningite e, como seqüela da doença, ficou surda, cega e paralítica. Com grande esforço conseguiu voltar a andar com a ajuda de uma muleta que às vezes usava como bengala.
Dotada de férrea força de vontade e ardente desejo de aprender, aos 11 anos de idade, começou a ser educada professor Ivan Sokolyanski, chegando mais tarde a doutorar-se em Psicologia e Ciências Pedagógicas.
Olga gostava de corresponder-se com pessoas cultas, tendo conservado algumas cartas que lhe escreveram várias personalidades. Dentre estas destaca-se uma datada de 3/1/1933, e assinada pelo conhecido escritor Gorki:
“Querida Olga, sua vida é simplesmente um milagre; um desses maravilhosos vetores de luz tanto do nosso trabalho como de todo espírito elevado.”
Ao longo dos seus 73 anos de vida, publicou várias obras, muitas delas traduzidas para diversas línguas. Num de seus livros “Como percebo e imagino o mundo que me cerca”, descreve suas impressões da natureza e da vida cotidiana:
“Sinto que uma vida intensa se desenvolve ao meu redor e anseio participar dela como todos os seres humanos.”
CESAR TORRES CORONEL (1917/1985)
Nascido em Madrid, tinha 22 meses de vida quando perdeu a visão e a audição em conseqüência da Varíola.
Ao completar 7 anos teve início sua educação no “Colegio Nacional de Sordomudos y Ciegos”, na mesma Madrid, sob a orientação da excepcional pedagoga Rafaela Rodrigues Placer, que durante 13 anos se dedicou inteiramente à educação do rapaz. Assim, Cesar obteve o título de Bacharel no “Instituto Cardenal Cisneros”, graças a uma férrea força de vontade e ao incentivo e orientação de sua mestra.
Fiel cumpridor de suas obrigações, respeitado e querido tanto pelos seus superiores como por seus colegas de trabalho, viveu dignamente até o fim de sua vida unicamente de seu salário.
DR. ROBERT J. SMITHDAS (1925)
Nasceu na Pensylvania - Estados Unidos no dia 7 de junho. Ficou cego e mais tarde totalmente surdo, em conseqüência da Meningite, quando tinha 4 anos e meio de idade.
Aos 25 anos recebeu seu diploma de Bacharel em Artes da Universidade de St. John. Foi agraciado, ainda, com os graus honorários: Dr. em Letras do Gaullaudet College e Dr. em Humanidades pela Western Michigan University.
Trabalhou no Setor de Relações Comunitárias do Lar Industrial para Cegos e, em 1977, foi Diretor de Educação Comunitária do Centro Nacional Helen Keller, demonstrando com sua atuação profissional que a surdocegueira não é impedimento para metas educacionais.
“É importante que o surdocego conheça tanto suas limitações como seu potencial; mas é de igual importância que as pessoas com quem ele convive também as conheçam”.
Robert Smithdas
LEONARD C. DOWDY (1927)
Nasceu no Missouri - Estados Unidos. Perdeu a visão e a audição quando tinha 1 ano e meio de idade.
Estudou na “Perkins School” onde aprendeu Matemática, Geografia, História e toda espécie de trabalhos manuais em madeira e metal.
Trabalhou na Companhia Peterson de Manufatura onde desenvolveu atividades nas linhas de montagem das bombas para pneus e de faróis dentre outras “muitas e variadas coisas.”
Casado com Beth K. Dowdy, também surdocega, construiu no terreno de sua casa, com a ajuda de um amigo, a sua própria oficina de carpintaria onde costuma pôr em prática o seu hobby: trabalhar com madeira.
Quando, em 1977, participou, em São Paulo, do “I Seminário Brasileiro de Educação de Deficiente Audiovisual em sua palestra:
“Depois de morar em um apartamento por 5 anos, após o nosso casamento, compramos a nossa casa. Sendo donos de uma casa nós podemos ter experiências muito duras, mas nós gostamos mais do que viver num apartamento, onde nada acontece de especial.”
VALISE AMADESCU (1944)
Nasceu na Romania, no dia 4 de setembro. Perdeu a visão e a audição em conseqüência da Meningite, quando tinha 2 anos e meio de idade.
Aos 11 anos iniciou sua educação na Escola Especial para Cegos, em Cluj, Romania, onde com sua enérgica professora Miss. Florica Sandu, aprendeu a falar e adquiriu os conhecimentos básicos.
Mais tarde, com a ajuda de outros professores, alargou seus conhecimentos estudando História, Literatura, Geografia, Matemática e Física.
Formou-se em Psicopedagogia na Universidade de Cluj. Logo a seguir empregou-se como professor na Escola Especial para Cegos, na mesma cidade, onde exerce a função com a ajuda de sua professora Georgeta Damian.
“Eu estou convencido que o caminho que eu escolhi, embora bastante difícil, pode ser trilhado com sucesso por qualquer pessoa deficiente.”
Valise Amadescu
Poderíamos citar muitos outros exemplos de pessoas surdocegas que lograram o desenvolvimento máximo de suas potencialidades. No entanto, estes poucos relatos são a prova incontestável da validade dos programas de Educação Especial nessa área onde oportunidades, atenção e respeito são dispensados a essas pessoas da mesma forma que, a todo ser social, nos diferentes programas educacionais.
DECÁLOGO DO SURDOCEGO
Declaração aprovada na IV Conferencia Mundial “Helen Keller”
realizada em Estocolmo, em setembro de 1989.
1- Todo país deve realizar o senso de sua população surdocega;
2- A surdocegueira é uma deficiência única e não a simples soma das duas deficiências surdez e cegueira, assim requer Serviços especializados;
3- É imprescindível a formação de profissionais altamente especializados em todos os países. Quando, em algum país, não for possível formar esses especialistas, deverá ser solicitada a ajuda de outras nações;
4- A comunicação é a maior barreira para o desenvolvimento pessoal e a educação do surdocego, por este motivo o ensino de métodos de comunicação eficazes deverá ser priorizado;
5- Todo país deverá oferecer oportunidades para a educação do surdocego;
6- O surdocego pode ser alguém produtivo assim, devem ser criados programas de integração profissional;
7- Deverá ser dada atenção à formação de intérpretes, profissionais imprescindíveis para a independência do surdocego;
8- Devem ser criados sistemas residenciais alternativos, independentes, para o surdocego, que atendam suas necessidades e aptidões;
9- A sociedade tem obrigação de permitir ao surdocego a participação em atividades de lazer e recreação, em interação com a comunidade;
10- É essencial que a sociedade tome conhecimento das possibilidades e necessidades do surdocego para que possa exigir o apoio governamental e comunitário na criação de Serviços.
“Deficientes ou não deficientes, somos todos seres humanos, vivendo no mesmo planeta e partilhando do mesmo destino. O que a vida exige de nós, senão dar o melhor de nós mesmos, para nós e para os outros?”
Richard Kinney
Richard Kinney é Educador, Conferencista e Poeta surdocego. Detentor de inúmeros títulos e prêmios, é autor da obra didática “Independent Living Without Sight and Hearing”
MARGARIDA A. MONTEIRO - Professora e Coordenadora do Programa de Atendimento ao Surdo-Cego do Instituto Benjamin Constant
(*) Fonte: Site do Instituto Benjamin Constant- Rio de Janeiro: http://www.ibc.gov.br/
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
REPENSANDO O CONCEITO DE SURDEZ
por
Ana Maria Portugal Gomes
Fonoaudióloga
Definição de surdez no modelo clínico-terapêutico:
• Um termo muito usado neste modelo é deficiência auditiva e sugere a redução ou ausência da capacidade para ouvir determinados sons, devido a fatores que afetam o aparelho auditivo.
• Distúrbio de audição, diminuição da capacidade auditiva em diferentes graus de intensidade, podendo ser de caráter transitório ou definitivo, estacionário ou progressivo.
• "É a ausência, dificuldade, inabilidade para ouvir sons específicos, ambientais e os sons da fala humana." (Silvania Maia Silva Dias - Fonoaudióloga)
Neste modelo, "o surdo é considerado uma pessoa que não ouve e, portanto, não fala. É definido por suas características negativas; a educação se converte em terapêutica, o objetivo do currículo escolar é dar ao sujeito o que lhe falta: a audição, e seu derivado: a fala." (Carlos Skliar - Fonoaudiólogo - Argentino)
"Medicalicar a surdez significa orientar toda a atenção à cura do problema auditivo, à correção de defeitos da fala, ao treinamento de certas habilidades menores, mais que a interiorização de instrumentos culturais significativos, como a língua de sinais. E significa também opor e dar prioridade ao poderoso discurso da medicina frente à débil mensagem da pedagogia." (Carlos Skliar - Fonoaudiólogo - Argentino)
Nesta visão clínico-terapêutica:
Utiliza-se de uma pedagogia corretiva; existe a intenção de correção, normalização; emprega-se currículo para educandos com atraso cognitivo; currículo para ouvintes; currículo para pessoas com dificuldades lingüísticas; currículo audiológico/audiométrico; currículo de beneficência laboral.
Definição de surdez no modelo sócio-antropológico:
É uma concepção moderna da surdez defendida em todo o mundo por profissionais de várias áreas de interesse da surdez, em especial lingüistas, pedagogos e professores, psiquiatras e até fonoaudiólogos. Esse modelo baseia-se nos novos modelos lingüísticos, psicolingüísticos e sóciolingüísticos que culminam em alternativas pedagógicas onde o surdo possui uma representação social oposta ao modelo anteriormente citado.
• "A surdez é uma condição natural e não uma deficiência/doença que necessita de cura." (Lorena Koslowski - PR)
• A surdez é uma diferença que deve ser respeitada e aceita.
• Como afirma Carlos Sánchez - lingüista venezuelano: "A surdez não é uma doença que necessita de cura, mas é uma condição que deve ser aceita. Os surdos não são inválidos que precisam de reabilitação. Eles são membros de uma comunidade lingüística minoritária que deve ser respeitada e possuem o direito inalienável de receber sua educação nesta língua." E ainda ele afirma sobre a criança surda:"Seu filho é normal; pode ser inteligente, criativo. Só que ele fala outra língua".
Algumas considerações importantes:
"Preferimos que aos três, quatro anos a criança surda construa frases complexas em língua de sinais do que produza palavras isoladas" (Graziella Alisedo - Argentina - 1994)
"A educação deve voltar-se para os potenciais da criança que podem ser ativados através da tarefa educativa".(Vygotsky)
"A língua de sinais é a única que permite a pessoa surda ascender a todas as características lingüísticas da "fala". (Danielle Bouvet, França, 1989)
"A língua de sinais é, portanto, indispensável para total apropriação da linguagem pela criança surda. Ela permite à criança surda descobrir o que é comunicação lingüística no momento em que todas as crianças fazem esta descoberta."(LK)
Na visão sócio-antropolológica:
• deve-se oportunizar o acesso da criança surda à língua de sinais o mais precoce possível;
• oportunizar o contato da criança surda com seu pares surdos adultos para permitir a identificação e o acesso a particularidades culturais;
• preocupar-se com o desenvolvimento das estruturas cognitivas e lingüísticas nas idades correspondentes;
• novo olhar sobre a educação de surdos: o conhecimento formal é acessado através da língua de sinais e se vale de estratégias que enfatizam o potencial porque "os surdos são diferentes das pessoas ouvintes, necessitam que toda a instrução seja baseada na visão e não na audição." (Patrícia Luiza Ferreira Pinto - pedagoga surda - MG)
Bibliografia:
• Fórum Permanente de Educação, Linguagem e Surdez - vol.I (Jan./Jun.) Rio de Janeiro - INES
• Surdez: Abordagem Geral - Karin Lilian Strobel & Silvania Maia Silva Dias, 1995 - FENEIS
• Série Audiologia 1,2,3,4 - 1998 - INES
• Educação e Exclusão - Cadernos de autoria 2 - Carlos Skliar (Org.) Editora Mediação
• La Educación de Los Surdos - Carlos Skliar - Série Manuales - EDIUNC
• Apostila: "Atención Integral del Niño Sordo de 0 a 6 Anos - Modelo Educativo Bilingüe y Bicultural" - Carlos Sánchez - Instituto de Estudios Interdisciplinarios Sobre La Sordera y El Lenguaje (IES) - Puerto Ayacucho - Venezuela - 1998
Empresa de correios indiana contrata apenas surdos 16/03/2010
Mote é ser um negócio social e não caridade
Da redação
A Mirakle Couriers é uma empresa de correios de Bombaim, na Índia, cujo diferencial é empregar apenas pessoas surdas. A ideia é eliminar o estigma social do povo indiano em relação aos portadores da deficiência, que somam cerca de 6% da população do país. Salvo o fundador e o diretor de operações, todos os empregados da Mirakle Couriers são surdos, inclusive os entregadores. O modelo é baseado no conceito de criar um serviço empreendedor e rentável e que transforme os deficientes auditivos em parte da comunidade economicamente ativa. Por enquanto, o serviço está disponível apenas em Bombaim, mas a direção planeja a expansão para outras cidades indianas e até mesmo outros países.
A empresa foi fundada por Dhruv Lakra, ex-banqueiro de investimentos. Insatisfeito com a situação estigmatizada na Índia, resolveu fundar a Mirakle em 2008. Para ele, é importante entender que sua intenção é realmente ser um negócio social e não uma forma de caridade. Seu maior interesse é desenvolver modelos de negócios que garantam o ganho financeiro e social. Atualmente, a Mirakle atende várias outras empresas de portes variados em Bombaim, como agências de publicidade, hotéis, empresários e galerias de arte.
Quando adolescente, uma forte gripe fez com que Anita Gonçalves, 35 anos, perdesse parcialmente a audição. Segundo ela, adaptar-se ao novo mundo foi uma tarefa complicada, que exigiu amadurecimento e aceitação da nova condição.
Atividades que antes eram entendidas como normais, passaram a ser motivo de frustração. Atravessar a rua, por exemplo, exigia atenção redobrada. "Não sabia de onde vinha o barulho de motos e carros", conta. Ouvir música, participar de conversas, assistir televisão, tudo passou a ser diferente, por conta da limitação auditiva.
Atualmente, Anita é psicóloga, atua no departamento de recrutamento e seleção da empresa Blue Life e é pós-graduanda em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. Ela afirma que o fato de ter adquirido uma deficiência lhe mostrou novos caminhos e fez com que ela aprendesse a enxergar a vida de uma forma diferente, valorizando qualidades e não problemas. Tanto que acabou descobrindo a vocação em lidar com jovens surdos e hoje os auxilia em períodos pré-vestibulares como orientadora vocacional.
Foi difícil aceitar que havia perdido parte da audição? Como foi o início de sua adaptação à nova condição?
No início foi difícil, apesar de minha perda ser parcial. Em algumas situações, conseguia ouvir normalmente. Em outras, não compreendia nada e ficava angustiada com esta ambigüidade. Cheguei a sentir vergonha, receio de errar, fiquei retraída e insegura. Resolvi fazer terapia, o que me ajudou muito. Aprendi a ver outras possibilidades de desenvolvimento e de realização. Aprendi a olhar o que tenho de bom e não só o que me falta. Minha terapeuta sempre dizia: "Você é mais que isto."A adaptação começou no momento que encontrei profissionais habilitados e competentes que me orientaram a utilizar aparelhos auditivos e me auxiliaram no período de adaptação, que é bem difícil, mas superei todos os desafios com muita coragem e determinação.
O que lembra da época de faculdade? Enfrentou dificuldades por conta de não ouvir perfeitamente?
Sempre fui muito dedicada. Prestava muita atenção nas aulas, sentava na primeira carteira, procurava ler os textos com antecedência, após as aulas relia minhas anotações e tirava dúvidas com professores e amigos. O maior desafio foi lidar com as brincadeiras bobas dos colegas. Mas procurei relevar e pensar nas pessoas que me apoiavam, que eram as minhas amigas de fato e admiravam a minha força de vontade.
Você comenta que no dia-a-dia da profissão há situações que você não compreende. Como age nesses momentos?
Trabalho numa sala grande e em que as pessoas conversam entre si.Muitas vezes, percebo que a pessoa falou, mas não compreendo o conteúdo. Presto muita atenção na linguagem verbal e principalmente na não verbal. O deficiente auditivo tem uma capacidade surpreendente de guardar imagens, desenvolver a memória visual, ter concentração e atenção. Se não entendo, peço para repetir quantas vezes forem necessárias. O importante é ter certeza do que você ouve.
O que faz para não deixar que a deficiência prejudique o desempenho profissional? A primeira coisa que faço é confiar em Deus. Acredito que Ele nos coloca neste mundo para evoluirmos. Então, encaro a deficiência como um desafio.Ser boa em tudo que faço independente de ouvir melhor, ou pior. Procuro desenvolver outras potencialidades, tais como capacidade de observação, análise e reflexão. Estudo muito, leio tudo que cai nas minhas mãos para estar sempre atualizada. Se não tenho dinheiro para comprar revistas, vou às lojas, bibliotecas públicas e internet. Nunca me acomodo, pois se tem algo que ninguém tira de você é cultura, informação e conhecimento.
Quando teve contato com surdos no Colégio Radial teve a oportunidade de aprender a lidar melhor com sua deficiência auditiva?
Sem dúvida. Foi o divisor de águas da minha vida. Fiquei muito emocionada quando tive o primeiro contato, pois me identifiquei muito com eles, já que sentia na pele todos os desafios e dificuldades que enfrentavam no dia-a-dia. Acredito que nada é por acaso, pois foi no Radial que comecei a pensar na possibilidade de trabalhar com deficientes, em especial o auditivo. É uma atração, interesse e respeito recíproco, pois procuro mostrar que é possível chegar lá.
Como é o trabalho de orientação vocacional? Qual o objetivo?
O objetivo principal é auxiliar os jovens a fazer sua escolha profissional. Procuro estimulá-los à reflexões, à consciência de seus valores, dons, habilidades e preferências. Demonstro a importância da escolha profissional, que deve ser pautada na realidade sócio-econômica de cada um. Por exemplo, se o jovem precisa trabalhar não pode optar por um curso que exige dedicação integral. É necessário ter os pés no chão, para evitar abandono de curso e gastos desnecessários.
Muitos jovens optam por profissões da moda, influenciados pela TV, e por acreditam que ficarão ricos e famosos. Procuro mostrar os principais desafios do mercado de trabalho e como pode ser o futuro de cada profissão. Oriento e acompanho na descoberta do novas possibilidades de crescimento e desenvolvimento, para que sejam profissionais mais felizes e, conseqüentemente, mais competentes.
A metodologia de trabalho é igual para qualquer pessoa? O fato de a pessoa ter uma deficiência exige uma atuação diferente de sua parte?
Procuro utilizar a mesma metodologia. Apenas quanto a forma de aplicá-la é que preciso da ajuda de um intérprete, para algumas palavras e expressões mais difíceis ou abstratas. Gosto de me envolver no processo, procuro interagir ao máximo com as pessoas, pois acredito que isto enriquece a troca de conhecimentos e experiências, o que é fundamental.
Qual a importância da orientação vocacional?
Diante de tantas carreiras disponíveis, fica difícil prever o futuro profissional, mas, através da orientação vocacional, procuramos sinalizar quais são as aptidões e interesses mais relevantes. O importante é manter o entusiasmo pela opção feita, sabendo que sempre é possível mudar.
Para você, o que dificulta a ampliação do mercado de trabalho para profissionais com deficiência? Na minha opinião, antes de falarmos em emprego, precisamos discutir o sistema Educacional, que deve ser inclusivo, com professores e equipamentos adequados para atender a todos os alunos. Muitos deficientes estão fora da escola, o que é preocupante, pois, para serem profissionais bem ajustados e realizados, terão que ter conhecimentos e habilidades básicas. Não acho correto reservar vagas operacionais para deficientes.
Por outro lado, o processo seletivo é feito com seriedade, independente da condição de deficiência que um candidato possa ter. Ouvi muitos relatos de gerentes de multinacionais que dizem que têm vagas mas não conseguem preenchê-las, pois não encontram profissionais com formação e experiência adequadas. Minha sugestão é que participemos mais ativamente na formação e desenvolvimento de pessoas com deficiência, pois só assim haverá igualdade de condições para se concorrer a oportunidades em todos os níveis hierárquicos. Aprendi que é "crer para ver" e não "ver para crer". Se não acreditasse no ser humano, em sua potencialidade, capacidade de realização e transformação, não estaria aqui concedendo esta entrevista para a Sentidos.
"Não existe oceano maior que a determinação humana". Lars Grael.
Consultor de inclusão e especialista em reabilitação de pessoas com deficiência
São Paulo, 3/3/03.
Em todas as épocas e localidades, a pergunta que não quer calar-se tem sido esta, com algumas variações: “Qual é o termo correto - portador de deficiência, pessoa portadora de deficiência ou portador de necessidades especiais?” Responder esta pergunta tão simples é simplesmente trabalhoso, por incrível que possa parecer.
Comecemos por deixar bem claro que jamais houve ou haverá um único termo correto válido definitivamente em todos os tempos e espaços, ou seja, latitudinal e longitudinalmente. A razão disto reside no fato de que a cada época são utilizados termos cujo significado seja compatível com os valores vigentes em cada sociedade enquanto esta evolui em seu relacionamento com as pessoas que possuem este ou aquele tipo de deficiência.
Percorramos, mesmo que superficialmente, a trajetória dos termos utilizados ao longo da história da atenção às pessoas com deficiência, no Brasil.
Época
Termos e significados
Valor atribuído à pessoa
No começo da história, durante séculos.
Romances, nomes de instituições, leis, mídia e outros meios mencionavam “os inválidos”. Exemplos: “A reabilitação profissional visa a proporcionar aos beneficiários ... inválidos” (Decreto federal nº 60.501, de 14/3/67, dando nova redação ao Decreto nº 48.959-A, de 19/9/60).
“os inválidos”. O termo significava “indivíduos sem valor”. Em pleno século 20, ainda se utilizava este termo, embora já sem nenhum sentido pejorativo.
Outro exemplo:
“Inválidos insatisfeitos com lei relativa aos ambulantes” (Diário Popular, 21/4/76).
Aquele que tinha deficiência era tido como socialmente inútil, um peso morto para a sociedade, um fardo para a família, alguém sem valor profissional.
Outros exemplos:
“Servidor inválido pode voltar” (Folha de S. Paulo, 20/7/82.
“Os cegos e o inválido” (IstoÉ, 7/7/99).
Século 20 até ± 1960.
“Derivativo para incapacitados” (Shopping News, Coluna Radioamadorismo, 1973).
“Escolas para crianças incapazes” (Shopping News, 13/12/64).
Após a I e a II Guerras Mundiais, a mídia usava o termo assim: “A guerra produziu incapacitados”, “Os incapacitados agora exigem reabilitação física”.
“os incapacitados”. O termo significava, de início, “indivíduos sem capacidade” e, mais tarde, evoluiu e passou a significar “indivíduos com capacidade residual”. Durante várias décadas, era comum o uso deste termo para designar pessoas com deficiência de qualquer idade. Uma variação foi o termo “os incapazes”, que significava “indivíduos que não eram capazes” de fazer algumas coisas por causa da deficiência que tinham.
Foi um avanço da sociedade reconhecer que a pessoa com deficiência poderia ter capacidade residual, mesmo que reduzida. Ao mesmo tempo, considerava-se que a deficiência, qualquer que fosse o tipo, eliminava ou reduzia a capacidade da pessoa em todos os aspectos: físico, psicológico, social, profissional etc.
De ± 1960 até ± 1980.
“Crianças defeituosas na Grã-Bretanha tem educação especial” (Shopping News, 31/8/65).
No final da década de 50, foi fundada a Associação de Assistência à Criança Defeituosa – AACD” (hoje denominada Associação de Assistência à Criança Deficiente”.
Na década de 60 surgiram as primeiras unidades da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - Apae”.
“os defeituosos”. O termo significava “indivíduos com deformidade” (principalmente física).
“os deficientes”. Este termo significava “indivíduos que tinham deficiência” física, mental, auditiva, visual ou múltipla, que os levava a executar as funções básicas de vida” (andar, sentar-se, correr, escrever, tomar banho etc.) de uma forma diferente daquela como as pessoas sem deficiência faziam. E isto começou a ser aceito pela sociedade.
“os excepcionais”. O termo significava “indivíduos com deficiência mental”.
A sociedade passou a utilizar estes três termos, que focalizam as deficiências em si sem reforçarem o que as pessoas não conseguiam fazer como a maioria.
Simultaneamente, nesta época, difundia-se o movimento em defesa dos direitos das pessoas superdotadas (expressão hoje substituída por “pessoas com indícios de altas habilidades”). O movimento mostrou que o termo “os excepcionais” não poderia referir-se exclusivamente aos que tinham deficiência mental, pois as pessoas com superdotação também são excepcionais por estarem na outra ponta da curva da inteligência humana.
De 1981 até ± 1987.
Por pressão das organizações de pessoas com deficiência, a ONU deu o nome de Ano Internacional das Pessoas Deficientes ao ano de 1981. O mundo achou difícil começar a dizer ou escrever “pessoas deficientes”. O impacto desta terminologia foi profundo e ajudou a melhorar a imagem destas pessoas.
“pessoas deficientes”. Pela primeira vez em todo o mundo, o substantivo “deficientes” (os deficientes) passou a ser utilizado como adjetivo, sendo-lhe acrescentada o substantivo “pessoa”.
Foi atribuído o valor “pessoas” àqueles que tinham deficiência, igualando-os em direitos e dignidade à maioria dos membros de qualquer sociedade ou país.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou em 1980 a Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades, mostrando que estes três conceitos existem simultaneamente em cada pessoa deficiente..
De ± 1988 até ± 1993.
Alguns líderes de organizações de pessoas com deficiência contestaram o termo “pessoa deficiente” alegando que ele sinaliza que a pessoa inteira é deficiente, o que era inaceitável para eles.
“pessoas portadoras de deficiência”. Termo que, utilizado somente em países de língua portuguesa, foi proposto para substituir o termo “pessoas deficientes”.
Pela lei do menor esforço, logo reduziram este termo para “portadores de deficiência”.
O portar uma deficiência passou a ser um valor agregado à pessoa. A deficiência passou a ser um detalhe junto à pessoa. O termo foi adotado nas Constituições federal e estaduais e em todas as leis e políticas pertinentes ao campo das deficiências. Conselhos, coordenadorias e associações passaram a incluir o termo em seus nomes oficiais.
De ± 1990 até hoje.
O art. 5° da Resolução CNE/CEB n° 2, de 11/9/01, explica que as necessidades especiais decorrem de três situações, uma das quais envolvendo dificuldades vinculadas a deficiências e dificuldades não-vinculadas a uma causa orgânica.
“pessoas com necessidades especiais”. O termo surgiu primeiramente para substituir “deficiência” por “necessidades especiais”. daí a expressão “portadores de necessidades especiais”. Depois, passou a ter significado próprio sem substituir “pessoas com deficiência”.
De início, “necessidades especiais” representava um novo termo. Com a Resolução n° 2, passou a ser um valor agregado à pessoa com ou sem deficiência.
Mesma época acima.
Surgiram expressões como “crianças especiais”, “alunos especiais”, “pacientes especiais” e assim por diante numa tentativa de amenizar a contundência da palavra “deficientes”.
“pessoas especiais”. O termo apareceu como uma forma reduzida da expressão “pessoas com necessidades especiais”, constituindo um eufemismo dificilmente aceitável para designar um segmento populacional.
O adjetivo “especiais” permanece como uma simples palavra, sem agregar valor diferenciado às pessoas com deficiência. O “especial” não é qualificativo exclusivo das pessoas que têm deficiência, pois ele se aplica a qualquer pessoa.
Em junho de 1994.
A Declaração de Salamanca preconiza educação inclusiva para todos, tenham ou não uma deficiência.
“pessoas com deficiência” e pessoas sem deficiência, quando tiverem necessidades educacionais especiais e se encontrarem segregadas, são o público das escolas inclusivas e da sociedade inclusiva.
O valor agregado às pessoas é o de elas fazerem parte do grande segmento dos excluídos que, com o seu poder pessoal, exigem sua inclusão em todos os aspectos da vida da sociedade. Trata-se do empoderamento.
Em maio de 2002.
O Frei Betto escreveu no jornal O Estado de S.Paulo um artigo em que propõe o termo “portadores de direitos especiais” e a sigla PODE.
Alega o proponente que o substantivo “deficientes” e o adjetivo “deficientes” encerram o significado de falha ou imperfeição enquanto que a sigla PODE exprime capacidade.
“portadores de direitos especiais”. O termo e a sigla apresentam problemas que inviabilizam a sua adoção em substituição a qualquer outro termo para designar pessoas que têm deficiência. O termo “portadores” já vem sendo questionado por sua alusão a “carregadores”, pessoas que “portam” (levam) uma deficiência. O termo “direitos especiais” é contraditório porque as pessoas com deficiência exigem equiparação de direitos e não direitos especiais. E mesmo que defendessem direitos especiais, o nome “portadores de direitos especiais” não poderia ser exclusivo das pessoas com deficiência, pois cada grupo vulnerável reivindicaria direitos especiais também.
Não há valor a ser agregado com a adoção deste termo, por motivos expostos na coluna ao lado e nesta.
A sigla PODE, apesar de lembrar “capacidade”, apresenta problemas de uso. Pelas regras brasileiras de ortografia, a sigla PODE teria que ser grafada “Pode” (toda sigla com mais de 3 letras que possa ser pronunciada como uma palavra deve ser grafada em caixa baixa com exceção da letra inicial). A mídia e outros autores teriam de escrever assim: “Os Podes de Osasco terão audiência com o Prefeito...”, “A Pode Maria de Souza manifestou-se a favor da nova lei...”, “A sugestão de José Maurício, que é um Pode, pode ser aprovada...”
De ± 1990 até hoje e além.
A década de 90 e a primeira década do século 21 e do Terceiro Milênio estão sendo marcadas por eventos mundiais, liderados por organizações de pessoas com deficiência.
A relação de documentos produzidos nesses eventos pode ser vista no final deste artigo.
“pessoas com deficiência” passa a ser o termo preferido por um número cada vez maior de adeptos, boa parte dos quais é constituída por pessoas com deficiência que, no maior evento das organizações de pessoas com deficiência, realizado no Recife em 2000, conclamaram o público a adotar este termo. Elas esclareceram que não são portadoras de deficiência e que não querem ser chamadas com tal nome.
Os valores agregados são o do empoderamento (uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação de cada um) e o da responsabilidade de contribuir para mudar a sociedade rumo à inclusão de todas as pessoas.
Os movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo os do Brasil, estão debatendo o nome pelo qual desejam ser chamados. Eis os princípios básicos para chegarem a esse nome: Não esconder a deficiência, não aceitar o consolo da falsa idéia de que todo mundo tem deficiência, mostrar a realidade da deficiência com dignidade, valorizar as diferenças decorrentes da deficiência. Eles já fecharam a questão: querem ser chamados de “pessoas com deficiência” em todos os idiomas. E o termo faz parte do texto da Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, a ser aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 2003 e ser promulgada através de lei nacional de todos os Países-Membros.
Conclusão
A tendência é no sentido de parar de dizer ou escrever a palavra “portadora” (como substantivo e como adjetivo). A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo “portar” como o substantivo ou adjetivo “portadora” não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que está presente na pessoa. Por exemplo, não dizemos e nem escrevemos que uma certa pessoa porta olhos verdes ou pele morena.
Uma pessoa só porta algo que ela possa não portar, deliberada ou casualmente. Por exemplo, uma pessoa pode portar um guarda-chuva se houver necessidade e deixá-lo em algum lugar por esquecimento ou por assim decidir. Não se pode fazer isto com uma deficiência, é claro.
Um outro motivo para evitarmos o uso das palavras “portar” e “portadora” decorre da universalização do conhecimento pela internet, processo este que está nos conectando em tempo real com o mundo inteiro. Assim, por exemplo, ficamos sabendo que em todos os lugares do mundo as pessoas que têm deficiência desejam ser chamadas pelo nome equivalente, em cada idioma, ao termo “pessoas com deficiência”. Exemplos:
persons with a disability ou people with disabilities (em países onde se fala a língua inglesa)
personas con discapacidad (em países de fala espanhola)
pessoa com deficiência (No Brasil, em Portugal e em outros países onde se fala a língua portuguesa)
Por extensão, naqueles países fala-se e escreve-se assim:
persons with a hearing impairment, persons with deafness
personas con sordera, personas con discapacidad auditiva
pessoas com deficiência auditiva, pessoas com surdez, admitindo-se o uso das palavras “pessoas surdas” e “surdos”.
Em outros países não se usa uma palavra equivalente a “portadora de” para se referir à pessoa com deficiência. Já aconteceu em mais de uma ocasião um fato lamentável se não cômico. Brasileiros vertendo para o inglês um texto de palestra, lei ou livro escrito em português, cometeram a seguinte barbaridade:
carriers of disabilities.
persons carrying a disability,
Entenda-se: “carriers of” e “carrying” seriam a versão inglesa de “portadores de” e “que portam”, respectivamente. Quando os americanos leram o texto assim vertido para o inglês, eles não entenderam por qual motivo as pessoas eram portadoras (carregadoras) de deficiência.ou por qual razão elas estavam portando (carregando) uma deficiência.
A quase totalidade dos documentos, a seguir mencionados, foi escrita e aprovada por organizações de pessoas com deficiência, que estão chegando ao consenso quanto a adotar a expressão “pessoas com deficiência” em todas as suas manifestações orais ou escritas.
Documentos do Sistema ONU
·Declaração Mundial sobre Educação para Todos / Unesco – 1990.
·Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência / ONU – 1993.
·Inclusão Plena e Positiva de Pessoas com Deficiência em Todos os Aspectos da Sociedade / ONU – 1993.
·Declaração de Salamanca / Unesco– 1994.
·Convenção da Guatemala / OEA – 1999.
·Classificação Internacional de Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF)/ OMS – 2001, que substituiu a Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades / OMS, de 1980.
·Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência / ONU – 2003.
Documentos de outros organismos mundiais
·Declaração de Vancouver – 1992.
·Declaração de Santiago – 1993.
·Declaração de Maastricht – 1993.
·Declaração de Manágua – 1993.
·Carta para o Terceiro Milênio – 1999.
·Declaração de Washington – 1999.
·Declaração de Pequim – 2000.
·Declaração de Manchester sobre Educação Inclusiva – 2000.
·Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão – 2002.
·Declaração de Madri – 2002.
·Declaração de Sapporo – 2002.
·Declaração de Caracas – 2002.
C:\word docs para cd-rom\Romeu Kazumi Sassaki\Termos técnicos\Como chamar os que têm deficiência.doc
PORTARIA Nº 2.344, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2010
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS
PORTARIA Nº 2.344, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2010
DOU de 05/11/2010 (nº 212, Seção 1, pág. 4)
O MINISTRO DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, no uso de suas atribuições legais, faz publicar a Resolução nº 1, de 15 de outubro de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE, que altera dispositivos da www.fiscolex.com.br/doc_396310_RESOLUCAO_N_35_6_JULHO_2005.aspx Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, que dispõe sobre seu Regimento Interno:
Art. 1º - Esta portaria dá publicidade às alterações promovidas pela Resolução nº 1, de 15 de outubro de 2010, do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência - CONADE em seu Regimento Interno.
Art. 2º - Atualiza a nomenclatura do Regimento Interno do CONADE, aprovado pela www.fiscolex.com.br/doc_396310_RESOLUCAO_N_35_6_JULHO_2005.aspx Resolução nº 35, de 6 de julho de 2005, nas seguintes hipóteses:
I - Onde se lê Pessoas Portadoras de Deficiência, leia-se Pessoas com Deficiência;
II - Onde se lê Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, leia-se Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
III - Onde se lê Secretário de Direitos Humanos, leia-se Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
IV - Onde se lê Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, leia-se Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência;
V - Onde se lê Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, leia-se Política Nacional para Inclusão da Pessoa com Deficiência;
Art. 3º - Os artigos 1º, 3º, 5º, 9º e 11, passam a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1º -
............................................................................
XI - atuar como instância de apoio, em todo território nacional, nos casos de requerimentos, denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade, quando ocorrer ameaça ou violação de direitos da pessoa com deficiência, assegurados na Constituição Federal, na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências e demais legislações aplicáveis; XII - participar do monitoramento e implementação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, para que os direitos e garantias que esta estabelece sejam respeitados, protegidos e promovidos; e
............................................................................................. (NR).
Art. 3º - Os representantes das organizações nacionais, de e para pessoa com deficiência na forma do inciso II, alínea a, do art. 2º, serão escolhidos dentre os que atuam nas seguintes áreas:
..........................................................................................................
II - um na área da deficiência auditiva e/ou surdez;
..........................................................................................................
IV - dois na área da deficiência mental e/ou intelectual;
................................................................................................ (NR).
Art. 5º - As organizações nacionais de e para pessoas com deficiência serão representadas por entidades eleitas em Assembléia Geral convocada para esta finalidade e indicarão os membros titulares e suplentes.
§ 1º - As entidades eleitas e os representantes indicados terão mandato de dois anos, a contar da data de posse, podendo ser reconduzidos.
§ 2º - A eleição será convocada pelo CONADE, por meio de edital publicado no Diário Oficial da União, no mínimo 90 (noventa) dias antes do término do mandato.
§ 4º - O edital de convocação das entidades privadas sem fins lucrativos e de âmbito nacional exigirá para a habilitação de candidatos e eleitores, que tenham filiadas organizadas em pelo menos cinco estados da federação, distribuídas, no mínimo, por três regiões do País.
............................................................................
§ 6º - O processo eleitoral será conduzido por Comissão Eleitoral formada por um representante do CONADE eleito para esse fim, um representante do Ministério Público Federal e outro da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência - SNPD, especialmente convidados para esse fim.
.......................................................................(NR)
Art. 9º - Os Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos da Pessoa com Deficiência serão representados por conselheiros eleitos nas respectivas Assembléias Gerais estaduais ou municipais, convocadas para esta finalidade.
Parágrafo único - O Edital de Convocação para a habilitação dos Conselhos Estaduais e Municipais será publicado em Diário Oficial pelo menos 90 (noventa) dias antes do início dos novos mandatos e definirá as regras da eleição, exigindo que os candidatos comprovem estar em pleno funcionamento, ter composição paritária e caráter deliberativo.
Art. 11 -
............................................................................
§ 1º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente dar-se-á mediante escolha, dentre seus membros, por voto de maioria simples, para cumprirem mandato de dois anos.
............................................................................
§ 4º - Fica assegurada a representação do Governo e da Sociedade Civil na Presidência e na Vice-Presidência do CONADE e a alternância dessas representações em cada mandato, respeitada a paridade.
............................................................................
§ 6º - Caso haja vacância do cargo de Presidente, o Vice- Presidente assumirá e convocará eleição para escolha do novo Presidente, a fim de complementar o respectivo mandato, observado o disposto no § 4º deste artigo.
§ 7º - No caso de vacância da Vice-Presidência, o Plenário elegerá um de seus membros para exercer o cargo, a fim de concluir o mandato, respeitada a representação alternada de Governo e Sociedade Civil.
............................................................................................... (NR).
Art. 4º - Revogam-se os §§ 1º, 2º e 3º do art. 9º da Resolução nº 35/2005.
Art. 5º - As alterações no Regimento Interno do CONADE entram em vigor na data de publicação desta Portaria.