terça-feira, 9 de junho de 2009

Psicóloga Surda




Quando adolescente, uma forte gripe fez com que Anita Gonçalves, 35 anos, perdesse parcialmente a audição. Segundo ela, adaptar-se ao novo mundo foi uma tarefa complicada, que exigiu amadurecimento e aceitação da nova condição.


Atividades que antes eram entendidas como normais, passaram a ser motivo de frustração. Atravessar a rua, por exemplo, exigia atenção redobrada. "Não sabia de onde vinha o barulho de motos e carros", conta. Ouvir música, participar de conversas, assistir televisão, tudo passou a ser diferente, por conta da limitação auditiva.


Atualmente, Anita é psicóloga, atua no departamento de recrutamento e seleção da empresa Blue Life e é pós-graduanda em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero. Ela afirma que o fato de ter adquirido uma deficiência lhe mostrou novos caminhos e fez com que ela aprendesse a enxergar a vida de uma forma diferente, valorizando qualidades e não problemas. Tanto que acabou descobrindo a vocação em lidar com jovens surdos e hoje os auxilia em períodos pré-vestibulares como orientadora vocacional.


Foi difícil aceitar que havia perdido parte da audição? Como foi o início de sua adaptação à nova condição?

No início foi difícil, apesar de minha perda ser parcial. Em algumas situações, conseguia ouvir normalmente. Em outras, não compreendia nada e ficava angustiada com esta ambigüidade. Cheguei a sentir vergonha, receio de errar, fiquei retraída e insegura. Resolvi fazer terapia, o que me ajudou muito. Aprendi a ver outras possibilidades de desenvolvimento e de realização. Aprendi a olhar o que tenho de bom e não só o que me falta. Minha terapeuta sempre dizia: "Você é mais que isto."A adaptação começou no momento que encontrei profissionais habilitados e competentes que me orientaram a utilizar aparelhos auditivos e me auxiliaram no período de adaptação, que é bem difícil, mas superei todos os desafios com muita coragem e determinação.

O que lembra da época de faculdade? Enfrentou dificuldades por conta
de não ouvir perfeitamente?

Sempre fui muito dedicada. Prestava muita atenção nas aulas, sentava na primeira carteira, procurava ler os textos com antecedência, após as aulas relia minhas anotações e tirava dúvidas com professores e amigos. O maior desafio foi lidar com as brincadeiras bobas dos colegas. Mas procurei relevar e pensar nas pessoas que me apoiavam, que eram as minhas amigas de fato e admiravam a minha força de vontade.


Você comenta que no dia-a-dia da profissão há situações que você não compreende. Como age nesses momentos?

Trabalho numa sala grande e em que as pessoas conversam entre si.Muitas vezes, percebo que a pessoa falou, mas não compreendo o conteúdo. Presto muita atenção na linguagem verbal e principalmente na não verbal. O deficiente auditivo tem uma capacidade surpreendente de guardar imagens, desenvolver a memória visual, ter concentração e atenção. Se não entendo, peço para repetir quantas vezes forem necessárias. O importante é ter certeza do que você ouve.


O que faz para não deixar que a deficiência prejudique o desempenho profissional?
A primeira coisa que faço é confiar em Deus. Acredito que Ele nos coloca neste mundo para evoluirmos. Então, encaro a deficiência como um desafio.Ser boa em tudo que faço independente de ouvir melhor, ou pior. Procuro desenvolver outras potencialidades, tais como capacidade de observação, análise e reflexão. Estudo muito, leio tudo que cai nas minhas mãos para estar sempre atualizada. Se não tenho dinheiro para comprar revistas, vou às lojas, bibliotecas públicas e internet. Nunca me acomodo, pois se tem algo que ninguém tira de você é cultura, informação e conhecimento.


Quando teve contato com surdos no Colégio Radial teve a oportunidade de aprender a lidar melhor com sua deficiência auditiva?

Sem dúvida. Foi o divisor de águas da minha vida. Fiquei muito emocionada quando tive o primeiro contato, pois me identifiquei muito com eles, já que sentia na pele todos os desafios e dificuldades que enfrentavam no dia-a-dia. Acredito que nada é por acaso, pois foi no Radial que comecei a pensar na possibilidade de trabalhar com deficientes, em especial o auditivo. É uma atração, interesse e respeito recíproco, pois procuro mostrar que é possível chegar lá.

Como é o trabalho de orientação vocacional? Qual o objetivo?

O objetivo principal é auxiliar os jovens a fazer sua escolha profissional. Procuro estimulá-los à reflexões, à consciência de seus valores, dons, habilidades e preferências. Demonstro a importância da escolha profissional, que deve ser pautada na realidade sócio-econômica de cada um. Por exemplo, se o jovem precisa trabalhar não pode optar por um curso que exige dedicação integral. É necessário ter os pés no chão, para evitar abandono de curso e gastos desnecessários.

Muitos jovens optam por profissões da moda, influenciados pela TV, e por acreditam que ficarão ricos e famosos. Procuro mostrar os principais desafios do mercado de trabalho e como pode ser o futuro de cada profissão. Oriento e acompanho na descoberta do novas possibilidades de crescimento e desenvolvimento, para que sejam profissionais mais felizes e, conseqüentemente, mais competentes.


A metodologia de trabalho é igual para qualquer pessoa? O fato de a pessoa ter uma deficiência exige uma atuação diferente de sua parte?

Procuro utilizar a mesma metodologia. Apenas quanto a forma de aplicá-la é que preciso da ajuda de um intérprete, para algumas palavras e expressões mais difíceis ou abstratas. Gosto de me envolver no processo, procuro interagir ao máximo com as pessoas, pois acredito que isto enriquece a troca de conhecimentos e experiências, o que é fundamental.


Qual a importância da orientação vocacional?

Diante de tantas carreiras disponíveis, fica difícil prever o futuro profissional, mas, através da orientação vocacional, procuramos sinalizar quais são as aptidões e interesses mais relevantes. O importante é manter o entusiasmo pela opção feita, sabendo que sempre é possível mudar.


Para você, o que dificulta a ampliação do mercado de trabalho para profissionais com deficiência?
Na minha opinião, antes de falarmos em emprego, precisamos discutir o sistema Educacional, que deve ser inclusivo, com professores e equipamentos adequados para atender a todos os alunos. Muitos deficientes estão fora da escola, o que é preocupante, pois, para serem profissionais bem ajustados e realizados, terão que ter conhecimentos e habilidades básicas. Não acho correto reservar vagas operacionais para deficientes.


Por outro lado, o processo seletivo é feito com seriedade, independente da condição de deficiência que um candidato possa ter. Ouvi muitos relatos de gerentes de multinacionais que dizem que têm vagas mas não conseguem preenchê-las, pois não encontram profissionais com formação e experiência adequadas. Minha sugestão é que participemos mais ativamente na formação e desenvolvimento de pessoas com deficiência, pois só assim haverá igualdade de condições para se concorrer a oportunidades em todos os níveis hierárquicos. Aprendi que é "crer para ver" e não "ver para crer". Se não acreditasse no ser humano, em sua potencialidade, capacidade de realização e transformação, não estaria aqui concedendo esta entrevista para a Sentidos.


"Não existe oceano maior que a determinação humana". Lars Grael.




2 comentários:

  1. oi meu nome é andreia,tenho 20 anos aos 17 perdi parte da audiçao,mim endentifiquei muito com o texto,meu sonho é fazer faculdade quero trabalhar com algo criativo,mas nao sei como entrar em uma faculdade sendo surda,esta sendo um pouco dificil,pois ainda estou mim adapitando,se poder mim ajudar,quais sao os cursos que o surdo pode frequentar na faculdade?desde ja agradeço.

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  2. Oi tudo bom! sou estudante de psicologia e estou realizando um trabalho voltado para atendimento psicológico ao surdo. Conhece algum material, dissertações, livros, públicações, etc, nesta área de atendimento ao surdo?
    Me ajudaria muito. meu email é: angelicaguimaraesc@hotmail.com. Desde já agradeço

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